Reportagem especial

Conheça a história dos irmãos que mantiveram uma relação harmoniosa, mesmo tendo votos diferentes

Pâmela Rubin Matge


Presente na disputa para governador do Estado entre Eduardo Leite (PSDB) e José Ivo Sartori (MDB), mas escrachada no duelo entre Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL), a polarização alcança contornos radicais jamais vistos na história recente da política brasileira. 

Embora alguns comportamentos sejam inerentes ao pleito, as diferenças ideológicas aparecem associadas à falta de reflexão política e a estratégias eleitoreiras de campanha em que saúde, educação, segurança e, até mesmo, os valores da família integram o brado retumbante dos candidatos.

Você rompeu amizades ou teve conflitos na família devido à eleição deste ano? Vote na enquete do Diário

Na contramão das relações parentais e das amizades que foram destruídas nos últimos meses, em Santa Maria, dois irmãos abrem o voto e contam como é possível ter discussões civilizadas, mantendo o respeito.

DIVERGÊNCIAS, SIM. DESRESPEITO, NÃO

A mesa de todo domingo é compartilhada, a torcida pelo time do coração grita em um uníssono colorado, o sangue que corre na veia - segundo os próprios irmãos, uma veia política - é o mesmo, mas a escolha do voto nessa eleição é diferente.

Ogier de Vargas Rosado, 57 anos, vota em Jair Bolsonaro (PSL). Rogério de Vargas Rosado, 53 anos, vota em Fernando Haddad (PT).

Com berço na Vila Schirmer, no Bairro João Goulart, em Santa Maria, eles creditam ao pai, Valter Lopes Rosado, um brizolista convicto, o gosto pela política. A dupla também tem outros dois irmãos. Um que vive em Santa Maria e outro que é vereador na cidade de Frederico Westphalen.

(E)leitor, não deixe que a rivalidade política nas redes sociais se sobreponha aos problemas reais

Alheios a brigas dentro e fora das redes sociais, os irmãos foram convidados pela reportagem do Diário para uma conversa sobre política e relações familiares. A lembrança de um é completada pelas palavras de outro. Juntos, falaram das festas dos Rosado: festa cigana, festa caipira... Lembraram das brincadeiras da infância no pátio da Igreja São Marcos ou que ambos vieram ao mundo na Casa de Saúde pelas mãos da mesma parteira: irmã Alice.

As diferenças ficam por conta do estilo: Ogier é vaidoso, campeiro, e gosta de acompanhar atividades de Centros de Tradições Gaúchas (CTGs). Já Rogério é mais rock and roll e desapegado com o que vestir. Na última quarta-feira, por exemplo, durante a entrevista ao Diário, nem se deu conta que vestia a camiseta do lado avesso.

TRAJETÓRIA POLÍTICA

Curiosamente um irmão levou o outro ao universo político. Foi na eleição presidencial de 1989, quando Luiz Inácio Lula da Silva enfrentou Fernando Collor de Mello no segundo turno, que Ogier foi convidado por Rogério a fazer a apuração dos votos em Santa Maria, no Centro Desportivo Municipal (CDM), popular Farrezão. A partir daí, cada um seguiu caminhos diferentes. Ogier mudou-se para o município de Manoel Viana, onde acompanhou sua emancipação. Em 1996, foi candidato a vereador pelo Partido Progressista (PP). Mais tarde, foi chefe do Departamento de Turismo, e chefe de Gabinete e Comunicação na cidade Em Santa Maria, trabalhou no segundo mandato do então prefeito Cezar Schirmer (MDB) como assessor da Secretaria de Turismo, assessor do Gabinete do Prefeito no setor de eventos e, após, como superintendente de Resiliência e administrador do Aeroporto Civil.  

Rogério, filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT) desde 1980, iniciou no movimento sindical, passando pelo Sindicato dos Bancários. Trabalhou nos governos do ex-prefeito Valdeci Oliveira e do ex-governador Tarso Genro, ambos do PT. Atualmente é presidente do Conselho de Alimentação Escolar e integra a União das Associações Comunitárias (UAC) e a Frente Brasil Popular (FBP). Há seis anos, é assessor parlamentar e militante de movimentos sociais voltados à população em situação de rua, aos catadores e ao Cáritas.

Embora a escolha política seja contrária, ambos são da mesma família e dizem ter os mesmos valores, conforme mostram as cartas em que escreveram em próprio punho. Veja:

OGIER

"Meu nome é Ogier de Vargas Rosado e voto em Bolsonaro para presidente. Aprendi, desde cedo, que o respeito é a base de tudo e que as relações devem ser construídas muito mais em cima das diferenças do que das semelhanças. Seria bem fácil conviver com pessoas que pensem igual ou que tenham os mesmos gestos meus, mas, aí, a vida perderia a graça, afinal de contas, somos seres únicos, começando pela família. Por isso, é necessário sensibilidade para aceitarmos os outros como eles são. Discordar faz parte das relações, mas tudo dentro do limite da civilidade, do respeito e, principalmente, do amor seja na família, com os amigos ou com qualquer pessoa."

Por que votar em Bolsonaro?

  • Pelo sentido de brasilidade, amor e respeito à Pátria
  • Pela mudança da questão de direitos e deveres. Neste país, temos mais direitos que deveres
  • Por uma mudança de um modelo de governo que não deu certo

ROGÉRIO

"Meu nome é Rogério de Vargas Rosado e voto em Haddad para presidente. Aprendi, desde cedo e com meu pai, a gostar de política como forma de mudar ou buscar mudar aquilo que achava equivocado, mas, acima de tudo, aprendi que o respeito ao contraditório é fundamental na relações. Sou, por convicção e por exemplo, um democrata e não cabe em uma democracia a discórdia e o ódio. A divergência é fundamental para o aprimoramento da democracia e o crescimento da nação. Aprendi que o amor deve estar acima de tudo."

Por que votar em Haddad?

  • Pela manutenção da democracia
  • Por um projeto que tem a educação como principal pilar
  • Pela garantia de direitos igualitários 

PELA DEMOCRACIA E PELO BOM SENSO

Cientista política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Carolina Corrêa menciona que as redes sociais aparecem como um instrumento que, apesar de ter facilitado o debate, também deu origem à exposição do posicionamento ideológico pessoal, o que, em um momento de diferenças políticas, suscitou causar conflitos, ultrapassando os limites do bom senso, do debate político, e invadindo as relações pessoais.  

- Descortinou-se, desde o primeiro turno, um contexto no qual as propostas de governo pareciam ocupar dois extremos dentro de um quadro ideológico. Desde o primeiro turno, grande parte do eleitorado buscou se posicionar dentro desse contexto e sustentar as ideias dos candidatos. No decorrer das eleições, as alternativas de voto correspondentes ao segundo turno têm acirrado ainda mais esse embate. Muitos eleitores têm ressaltado a defesa da própria democracia, outros questionam a importância de uma renovação na política. Esse último pode ser associado a um movimento muito caracterizado pelo antipetismo - explica ela.

Fazendo um comparativo às eleições norte-americanas, Carolina enfatiza o fato de existir, historicamente, uma polarização entre republicanos e democratas, que lá representam os dois maiores partidos. Segundo a pesquisadora, é comum, na sociedade norte-americana, que essa polarização influencie as próprias relações sociais, como impedir casamentos e até mesmo amizade, o que pode estar acontecendo no Brasil. Contudo, ela relativiza que este é um fenômeno que ainda precisa ser analisado no decorrer dos acontecimentos no país, atentando para o modo como a população irá lidar com essa nova configuração do cenário político.

Alfredo Alejandro Gugliano, cientista político e professor da UFRGS, afirma que o maior esforço durante e após o pleito será garantir que a defesa de ideias não se transforme em violência e que aqueles que estimulam o clima de ódio na sociedade sejam punidos de acordo com a lei. Ele ainda esclarece que o Estado brasileiro dispõe de um conjunto de instrumentos de transparência administrativa que a sociedade pouco conhece e, consequentemente, pouco utiliza.

- O desafio é canalizar as insatisfações de modo que as pessoas possam influenciar transformações nas instituições. Temos diversos canais que permitem uma maior interlocução entre a sociedade e as instituições políticas. Um exemplo são os conselhos de políticas públicas, os orçamentos participativos e as petições públicas, entre outras. A impunidade é um dos principais elementos que pode levar um Estado democrático de direito a se deteriorar - alerta o professor.

E DEPOIS DA ELEIÇÃO?

Uma coisa é certa: independentemente de quem se eleger para governador ou para presidente terá um árduo caminho pela frente. Os políticos terão de governar sob críticas em um ambiente hostil, cumprir as promessas de campanha e "arrumar a casa", bem como articular políticas de segurança, saúde, educação, cultura, entre outras.

De acordo com o cientista político da Universidade do Distrito Federal (UDF) André Jácomo a questão econômica é o principal interesse na agenda da opinião pública:

- Esse é um grande desafio em uma eleição muito polarizada. De um modo geral, presidentes conseguem ser mais populares e ter mandatos mais aprovados quando a economia vai bem.

Cientista político e professor da Universidade do Rio Grande do Sul (UFRGS), Alfredo Alejandro Gugliano pontua três principais ações a serem enfrentadas pelos próximos governantes:o fim dos privilégios, começando pelo governo federal e pelo Congresso Nacional, o combate ao crime organizado e à insegurança, especialmente, em regiões periféricas das cidades, e o controle de preços de produtos básicos no dia a dia dos brasileiros.

Uma preocupação, porém, é alertada pela cientista política e pós-doutoranda da UFRGS Carolina Corrêa. Ela diz que, se no período pós-eleitoral for mantido um espírito de extrema polarização ideológica, marcada pela intolerância, o funcionamento normal da democracia será prejudicado. Isso porque um dos mais importantes preceitos democráticos é aceitar o resultado das eleições e saber atuar como uma oposição política honesta, dentro dos limites institucionais.

- Esse tipo de comportamento está muito distante de atitudes ou discursos políticos agressivos por parte dos eleitores e dos atores políticos. Seja quem for o candidato eleito, ele precisará lidar com uma forte oposição, presente tanto no Congresso quanto na sociedade. Acredito que o maior desafio do próximo presidente do Brasil será conseguir lidar com essas diferenças ideológicas que têm caracterizado essas eleições, sem desrespeitar os princípios democráticos que regem a nossa Constituição - observa a pesquisadora.

PARA RESTABELECER RELAÇÕES

Desde a redemocratização, o país não havia presenciado um cenário eleitoral como o de 2018, segundo menciona o professor Alfredo Alejandro Gugliano.

- As pessoas reagem ao contexto no qual vivem e aos estímulos que recebem. As atuais eleições são um reflexo. E, aqui, não se trata de uma divisão entre esquerda e direita. Mas, ao fato de a apologia aos discursos de ódio de todos os tipos estimularem a disseminação da agressividade na sociedade. O caso do Brasil, muito provavelmente, vai ser estudado por muito tempo.

Ocorre, pois, que nesta sociedade marcada pelo consumo, pelo narcisismo e pelo espetáculo, sobretudo, durante as eleições, muitas pessoas têm buscado sucesso por meio da competição, ultrapassando valores humanos, conforme enfatiza a psicóloga e professora da Faculdade Integrada de Santa Maria (Fisma) Lilian Ester Winter.

- Nunca se falou tanto em direitos humanos, direito à diversidade e direito à pluralidade, mas, também, nunca se viu tanta intolerância e desrespeito. As ideias e ideologias são trazidas como verdades únicas. As divergências não são bem-vindas, são consideradas afrontas, pois no imaginário humano, falar de ideias é falar de verdades - explica.

Lilian, que costuma atender diferentes pacientes em seu consultório, relata que, nos últimos meses, ouviu pessoas dizendo que excluíram conhecidos das redes sociais por conta da política. Ela sugere que é preciso resgatar a ética voltada ao coletivo, sobretudo, no enfrentamento deste momento crítico.

- Parece-me que vivemos um paradoxo: nunca tivemos tanta tecnologia para vivermos uma vida boa, mas também nunca vivemos um tempo de tanta miséria valorativa, que coloca o ser humano em último plano. Restabelecer relações não envolve somente o período eleitoral. Para o resgate de relacionamentos verdadeiros, o respeito é o primeiro passo. Saber ouvir o outro sem julgar, ter empatia e ter uma intenção legítima de compreensão, o que não quer dizer aceitar ou concordar com o outro, mas, sim, se construir e se reinventar com o outro, fazendo com que a polarização de ideias se transforme em bem comum - enfatiza.

REPORTAGEM

Produção e textos - PÂMELA RUBIN MATGE
Fotos - RENAN MATTOS

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